ALMANAQUE DA TV

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Autores se dividem e apontam motivos na queda das audiências das novelas


Walcyr Carrasco diz que telespectador está mais exigente

Não se fazem mais telenovelas como antigamente. Depois de quase 60 anos, muitas foram as transformações que o gênero sofreu no Brasil. Desde o crescimento no número de capítulos, a duração de cada episódio até o ritmo acelerado de narrar as histórias na atualidade, várias características pontuam essas mudanças.

Vistas como positivas por alguns e altamente prejudiciais por outros, essas reformulações incitam, entre alguns autores, discussões a respeito da queda de audiência constante nos folhetins. "Os interesses comerciais cresceram. Hoje há que se submeter plenamente às idéias de pessoas pouco exigentes, incapazes de distinguir o que é qualidade artística", ataca Lauro César Muniz, responsável pelo texto de Poder Paralelo, da Record.

Até a década de 1970, as produções tinham um ar plácido, a narrativa mais lenta e uma introspecção maior. A partir dos anos 80, a ação foi ligeiramente acelerada, mantendo ainda certo equilíbrio. Mas, a partir de meados dos 90, e, mais claramente, a partir de 2000, passou-se a exigir da teledramaturgia um estímulo permanente, com fortes golpes e impactos a níveis quase sensoriais.

"A introspecção dos personagens e a discussão de idéias, cenas ou seqüências com certa subjetividade foram substituídas pelo humor fácil, a ação frenética e o maniqueísmo, seguindo o modelo do cinema norte-americano", critica Lauro.

Parte dessas mudanças teria sido motivada por interesses comerciais e, segundo alguns, pela própria pressão do público. "O telespectador está cada vez mais exigente. Não suporta 'barrigas', quer histórias mais ágeis", simplifica Walcyr Carrasco, que mantém Caras & Bocas com média superior a 30 pontos na maior parte dos dias.

Ricardo Linhares, que assinou com Gilberto Braga a bem-sucedida Paraíso Tropical, em 2007, concorda. E exemplifica diferenças que dificultam ¿ e muito ¿ a vida de quem tem a obrigação de criar as tramas. "Li recentemente os capítulos iniciais de Fogo sobre a Terra, de Janete Clair, para um possível 'remake'. Fiquei surpreso! Cada capítulo tinha 17 páginas. Hoje a média é de 40. Naquela época, as novelas tinham entre 120 e 140 capítulos. Hoje, muitas vezes, passam de 200", analisa Linhares.

A busca por temas que prendessem mais a atenção dos telespectadores abriu espaço para a abordagem de assuntos polêmicos em quase todas as faixas de horário. Desde casais do mesmo sexo ao uso de entorpecentes e, mais recentemente, do crime organizado, muitas são as tentativas de sair da mesmice no veículo.

O expediente, no entanto, também não é unanimidade entre os "donos dos textos". Benedito Ruy Barbosa, autor de Paraíso, condena o que chama de "modernismos generalizados" nas produções atuais. "Volta e meia me ligam para perguntar se as novelas estão acabando. Quanto mais você ver o tipo de teledramaturgia que está sendo feita, vai achar que é o fim mesmo", lamenta Benedito.

Entre os instrumentos que aceleram as narrativas, se destacam as cenas de ação exploradas na TV de hoje. Marcílio Moraes deu início a tal estratégia na Record em 2006, quando emplacou a sinopse de Vidas Opostas. Para o autor, a perda de qualidade percebida nos últimos anos por alguns não é fruto dos avanços tecnológicos ou das cenas de ação, mas sim do monopólio e, com ele, da falta de competição. "A disputa atual pelo Ibope força os autores a saírem da acomodação e a acelerarem o ritmo das histórias", opina.

Tempo real Quando começaram a surgir no Brasil, as telenovelas eram transmitidas ao vivo. Com capítulos curtos e, quase sempre, bissemanais. O que, é claro, limitava bastante as possibilidades de cenário e de narrativa. "Os atores passavam engatinhando de um lado para o outro, por baixo das câmaras. Ficavam nus atrás do cenário, para a troca de roupas", lembra Manoel Carlos, às gargalhadas.

Depois de mais de 56 papéis, Ana Rosa hoje recorda com carinho o tempo em que encenava as novelas ao vivo. "Era corrido, mas tinha suas vantagens. Fazíamos tudo como no teatro", explica. E se orgulha de ter estrelado a primeira produção gravada em videoteipe no Brasil, Alma Cigana, exibida em 1964 pela TV Tupi. "Naquele tempo, as câmaras tinham quatro lentes. A gente aprendia quando estava em plano geral, plano americano ou em close", recorda. Ana Rosa não condena as mudanças na teledramaturgia. Mas não esconde que, apesar das facilidades tecnológicas de hoje, a emoção não é a mesma de antigamente. "Gravamos muitas cenas que nem vão ao ar", lamenta.

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